Pobres alunos, brancos e Pobres
NESSE TRABALHO / 2009 A PROFª SANDRA
CAVALCANTI FAZ UMA SENHORA ANÁLISE DO PROBLEMA ... PENA QUE OS MEMBROS DA NOSSA
MAIS ALTA CORTE NÃO TIVERAM ACESSO.
Depois da lamentável decisão das “cotas
raciais” (racismo) do STF , o artigo abaixo é muito atual...
*
Este artigo é de 2009 .
Por . Sandra Cavalcanti*
Entre as lembranças
de minha vida, destaco a alegria de lecionar Português e Literatura no
Instituto de Educação, no Rio.
Começávamos nossa lida, pontualmente, às
7h15.
Sala cheia, as alunas de blusa branca engomada, saia azul, cabelos
arrumados.
Eram jovens de todas as camadas.
Filhas de profissionais liberais, de militares, de professores, de
empresários, de modestíssimos comerciários e bancários.
Elas compunham um quadro muito
equilibrado.
Negras, mulatas, bem escuras ou claras,
judias, filhas de libaneses e turcos, algumas com ascendência japonesa e várias
nortistas com a inconfundível mistura de sangue indígena.
As brancas também eram diferentes.
Umas tinham ares lusos, outras pareciam
italianas.
Enfim, um pequeno Brasil em cada sala.Todas estavam ali por mérito!
O concurso para entrar no Instituto de
Educação era famoso pelo rigor e pelo alto nível de exigências.
Na verdade, era um concurso para a
carreira de magistério do primeiro grau, com nomeação garantida ao fim dos sete
anos.
Nunca, jamais, em
qualquer tempo, alguma delas teve esse direito, conseguido por mérito,
contestado por conta da cor de sua pele!
Essa estapafúrdia discriminação nunca
passou pela cabeça de nenhum político, nem mesmo quando o País viveu os
difíceis tempos do governo autoritário.
Estes dias compareci aos festejos de uma de minhas turmas, numa linda missa na antiga Sé, já
completamente restaurada e deslumbrante.
Eram os 50 anos da formatura delas!
Lá estavam as minhas normalistas, agora
alegres senhoras, muitas vovós, algumas aposentadas, outras ainda não.
Lá estavam elas, muito felizes.
Lindas mulatas de olhos verdes. Brancas de
cabelos pintados de louro. Negras elegantérrimas, esguias e belas. Judias com
aquele ruivo típico. E as nortistas, com seu jeito de índias. Na minha opinião,
as mais bem conservadas.
Lá pelas tantas, a conversa recaiu sobre essa escandalosa
mania de cotas raciais.
Todas contra! Como experimentadas
professoras, fizeram a análise certa.
Estabelecer igualdade com base na cor da pele?
A raiz do problema é bem outra.
Onde é que já se viu isso?
Se melhorassem de fato as condições de
trabalho do ensino de primeiro e segundo graus na rede pública, ninguém estaria
pleiteando esse absurdo.
Uma das minhas alunas hoje é titular na Uerj. Outra é desembargadora.
Várias são ainda diretoras de escola. Duas promotoras.
As cores, muitas. As brancas não parecem
arianas. Nem se pode dizer que todas as mulatas são negras.
Afinal, o Brasil é assim. A nossa
mestiçagem aconteceu.
O País não tem dialetos, falamos todos a
mesma língua. Não há repressão religiosa.
A Constituição determina que todos são
iguais perante a lei, sem distinção de nenhuma natureza!
Portanto, é inconstitucional querer
separar brasileiros pela cor da pele.
Isso é racismo! E racismo é crime
inafiançável e imprescritível.
Perguntei: qual é o problema, então?É simples, mas é difícil.
A população pobre do País não está tendo governos capazes de diminuir a
distância econômica entre ela e os mais ricos. Com isso se instala a desigualdade na hora da
largada. Os mais ricos estudam em colégios
particulares caros. Fazem cursinhos caros. Passam nos vestibulares para as
universidades públicas e estudam de graça, isto é, à custa dos impostos pagos
pelos brasileiros, ricos e pobres.
Os mais pobres estudam em escolas públicas, sempre tratadas como
investimentos secundários, mal instaladas, mal equipadas, mal cuidadas, com
magistério mal pago e sem estímulos.Quem viveu no governo Carlos Lacerda se
lembra ainda de como o magistério público do ensino básico era bem considerado,
respeitado e remunerado.
Hoje, com a cidade do Rio de Janeiro devastada após a administração de Leonel
Brizola,
com suas favelas e seus moradores entregues ao tráfico e à corrupção, e com a visão equivocada de que um sistema de ensino depende de
prédios e de arquitetos, nunca a educação dos mais pobres caiu a um nível tão baixo.
Achar que os únicos prejudicados por esta visão populista do processo
educativo são os negros é uma farsa. Não é verdade.Todos os pobres são prejudicados: os
brancos pobres, os negros pobres, os mulatos pobres, os judeus pobres, os
índios pobres!
Quem quiser sanar esta injustiça deve
pensar na população pobre do País, não na cor da pele dos alunos.
Tratem de investir de verdade no ensino público básico.
Melhorar o nível do magistério. Retornar aos cursos normais.
Acabar com essa história de exigir diploma
de curso de Pedagogia para ensinar no primeiro grau. Pagar de forma justa aos
professores, de acordo com o grau de dificuldades reais que eles têm de
enfrentar para dar as suas aulas. Nada pode ser sovieticamente uniformizado.
Não dá.
Para aflição nossa, o projeto que o Senado vai discutir é uma barbaridade do ponto de vista
constitucional, além de errar o alvo.
Se desejam que os alunos pobres, de
todos os matizes, disputem em condições de igualdade com os ricos, melhorem a
qualidade do ensino público.
Economizem os gastos em propaganda.
Cortem as mordomias federais, as
estaduais e as municipais.
Impeçam a corrupção. Invistam nos
professores e nas escolas públicas de ensino básico.
O exemplo do esporte está aí: já viram algum jovem atleta, corredor, negro
ou não, bem alimentado, bem treinado e bem qualificado, precisar que lhe dêem
distâncias menores e coloquem a fita de chegada mais perto? É claro que não. É na largada que se consagra a
igualdade.
Os pobres precisam de igualdade de condições na largada.
Foi isso o que as minhas normalistas me
disseram na festa dos seus 50 anos de magistério!
Com elas, foi assim.
*Sandra Cavalcanti, professora, jornalista, foi deputada federal
constituinte, secretária de Serviços Sociais no governo Carlos Lacerda, fundou
e presidiu o BNH no governo Castelo Branco.